12.8.10

Inrespirar

Eu inrespiro.
Foi raro, mas agora acontece frequentemente.
Acontece mais por causa do frio do ar condicionado, do chá mate e do outono.
Acontece quando a paixão inunda meus pulmões e me sufoca.
E eu morro por alguns segundos/momentos/minutos/infinitos.
É porque hoje é quinta-feira, ou por causa da sua camisa xadrez, é por causa da poeira nos livros que eu engulo tentando abstrair alguma genialidade.
Acontece a-cada-vez que eu atravesso a ponte.
Quando eu olho pros meninos da escolinha de futebol de praia, quando eu compro um jornal, quando eu amo uma amizade.
É como se eu estivesse coberta, mas agora estou à flor da pele, como diria nosso querido amigo.
É porque eu queria aprender violino, e porque os Smiths tocam tão bem, mesmo ninguém ouvindo, eles continuam, e eu os ouço andando na praia (no pensamento, porque na verdade eu estou little morrendo na minha janela).
É porque o porteiro troca experiências de amor com o pedreiro da reforma, é por causa do mar chegar tão perto que quase entra na rua e alaga os ciclistas.
A cada vez que isso acontece, e especialmente porque é quinta-feira, eu inrespiro.
E eu vou morrendo a cada segundo/momento/minuto/infinito, até me entregar completamente à idéia de amar simplesmente, e esquecer de respirar.

11.5.10

La Pianiste

Um dia percebeu. Há quanto tempo estivera ali? Um piano jazia mudo, vegetal no canto da sala. Não existisse, e teria mais espaço para a televisão.
Que grande desperdício, um exibicionismo de passado. Ter um piano.
Ninguém mais perguntava quem toca, já tinha virado parede.
Passou de novo pelo infeliz, talvez fosse melhor vendê-lo logo. Mas quem havia de querer um piano? Coisa antiquada. Era um elefante branco em plena velhice. Tinha a mesma idade da dona, mas parecia um pai, acusando e cobrando.
Acharia alguém que o quisesse.
Voltou para reabastecer a xícara de café e o viu de novo. Um incômodo. Ficou olhando, e sentiu amor e saudade. Sentou-se. Abriu a sua boca. Parecia impossível que ainda cantasse alguma coisa. Um cadáver.
Tirou o pano que guardava seus dentes intactos, amarelos de quem fuma. Diria o que? Apenas tocaria. Abraçou as lembranças e gritou uma nota. O corpo estremeceu.
A dor chegou até a espinha. Seria possível lembrar ainda? Fechou os olhos. A decepção, a raiva, não tinha mais volta. Sentiu dor, a garganta apertando. Amaria aquele pai até a sua morte.
Cedeu e tocou. E as lágrimas saíram ardendo, e a angústia foi junto.
Morreremos juntos, por mais que eu te odeie e te evite.