11.5.10

La Pianiste

Um dia percebeu. Há quanto tempo estivera ali? Um piano jazia mudo, vegetal no canto da sala. Não existisse, e teria mais espaço para a televisão.
Que grande desperdício, um exibicionismo de passado. Ter um piano.
Ninguém mais perguntava quem toca, já tinha virado parede.
Passou de novo pelo infeliz, talvez fosse melhor vendê-lo logo. Mas quem havia de querer um piano? Coisa antiquada. Era um elefante branco em plena velhice. Tinha a mesma idade da dona, mas parecia um pai, acusando e cobrando.
Acharia alguém que o quisesse.
Voltou para reabastecer a xícara de café e o viu de novo. Um incômodo. Ficou olhando, e sentiu amor e saudade. Sentou-se. Abriu a sua boca. Parecia impossível que ainda cantasse alguma coisa. Um cadáver.
Tirou o pano que guardava seus dentes intactos, amarelos de quem fuma. Diria o que? Apenas tocaria. Abraçou as lembranças e gritou uma nota. O corpo estremeceu.
A dor chegou até a espinha. Seria possível lembrar ainda? Fechou os olhos. A decepção, a raiva, não tinha mais volta. Sentiu dor, a garganta apertando. Amaria aquele pai até a sua morte.
Cedeu e tocou. E as lágrimas saíram ardendo, e a angústia foi junto.
Morreremos juntos, por mais que eu te odeie e te evite.